Editorial

Em meio aos debates acerca da função da universidade, na sociedade contemporânea, surge a questão referente ao desafio do ensino da pesquisa na universidade e à formação do hábito de pesquisar com o propósito de produzir novos conhecimentos e aplicá-los à realidade social.

A produção do conhecimento na universidade, em suas propostas curriculares, está intimamente associada à pesquisa. Toda pesquisa tem uma intencionalidade e segue princípios metodológicos acerca do que pesquisar, quando pesquisar e como pesquisar, a fim de elaborar um corpo de conhecimentos que possibilitem aos sujeitos- pesquisadores (docentes e discentes) construir uma opinião formulada e crítica da realidade social.  A pesquisa, a partir de uma inquietação, de uma questão-problema, assume, portanto, um caráter formativo, ao envolver a reflexão e a proposição de soluções.

A pesquisa, enquanto formação, não significa apenas formar pesquisadores profissionais mas também possibilitar, na ação de investigar e refletir acerca de uma situação-problema, a oportunidade do sujeito-pesquisador, o exercício do senso crítico, ao estabelecer um diálogo constante entre a teoria e a prática, a fim de desnudar, dar a conhecer fenômenos e acontecimentos relativos à área de formação.

Na ação de pesquisar, o sujeito-pesquisador, a partir de um constructo teórico, de instrumentos, técnicas e métodos, elabora um corpo de saberes  -  os saberes da ciência (da universidade) e os saberes profissionais (TARDIF, 2002) frente às questões  que se apresentam no contexto de trabalho, na relação com outros profissionais, com a sociedade e no modo de  ser profissional e de estar na profissão.

A pesquisa é também atividade e, como tal, inscreve-se em determinado contexto histórico social, ligada a todo um contexto de valores, ideologias, concepções de homem e de mundo que constituem esse contexto e que fazem parte, do mesmo modo, daquele que exerce essa atividade, ou seja, o sujeito-pesquisador - discente ou docente. Como atividade assume uma atitude investigativa que envolve a reflexão e a intervenção, na tentativa de encaminhar propostas e soluções à questões de ordem política, econômica, educacional e social.

Outro grande desafio do ensino da pesquisa, enquanto componente formativo, é o de conhecer as estratégias textuais, discursivas e linguísticas próprias e especializáveis da produção escrita acadêmica, uma vez que o discurso acadêmico se sustenta por estratégias de erudição  pouco usuais e compreensíveis para o aluno e que são sustentadas pela especificidade da sua escrita - da linguagem técnico-científica: denotativa, referencial, e, como tal, que dá informações sobre, cientifica e comunica o conhecimento produzido em sua área e para a sua área, o que deve, com certeza, ser objeto de nossa atenção, como professores, como departamentos e como universidade.        Central, igualmente, na ação de pesquisar é a preparação para a produção textual – a seleção da literatura de referência (e a qualidade da leitura dessas referências) e o processo de produção textual (o gênero acadêmico, o estilo a adotar, a definição do público-alvo e o ciclo de escrever e reescrever).

Para este texto, é interessante destacar que a atenção do sujeito-pesquisador docente na missão de formar deve ser de ensinar a pesquisar, de orientar, levar ao sujeito-pesquisador discente saberes de como ler e produzir a linguagem científica - a construir um argumento científico - valendo-se do uso de termos técnicos, da aplicação de conceitos científicos e da avaliação de argumentos baseados em evidências fundamentados em técnicas e métodos científicos. Parece, pois, razoável aqui concordar com Mortimer (1998) quando afirma que a aprendizagem da ciência é inseparável da aprendizagem da linguagem científica.

O ensino da pesquisa possibilita ao sujeito-pesquisador discente conhecer ainda os movimentos retóricos (MOTTA-ROTH; HENDGES, 2010) que nos permite construir uma descrição esquemática para o gênero – projeto de pesquisa, artigo acadêmico, resumo acadêmico, por exemplo. Trata-se, portanto, de uma concepção de educação científica que reivindica e otimiza processos de letramento acadêmico (FISCHER; PELANDRÉ, 2010) o qual, por definição, inclui a crença no pensamento crítico  e reflexivo para a construção de saberes acadêmicos/científicos e, para além disso, igualmente, os posicionamentos ideológicos acerca da ação de educar, ao incorporar questionamentos relativos a como formar sujeitos  críticos que impactam os modelos de desenvolvimento econômico, social, político, científico e tecnológico de um povo. Tornar a educação científica uma cultura científica é compreender o conhecimento científico pelo seu uso social como modos elaborados de busca de soluções para os problemas humanos.

Diante, pois, desses desafios a pesquisa na universidade, por meio das atividades de ensino, pesquisa e extensão, deve propiciar ao sujeito-pesquisador (docente and discente) o desenvolvimento de competências para comunicar e interagir com os seus pares, na condição de leitor e de produtor de textos científicos. Mais especificamente, a função de comunicador, de divulgador dos resultados de pesquisas que resultam produtos materiais (equipamentos, componentes, drogas) e tecnológicos (meios de produção e técnicas de ensino), tendo em vista o aumento da eficiência, da qualidade e da equidade do sistema no seu conjunto, as quais são todas indispensáveis e necessárias para que o Ensino Superior possa atender as demandas de uma sociedade que se desenvolve economicamente, se moderniza e se democratiza, mesmo com redução de recursos econômicos, materiais e humanos para enfrentar este  que já se configura como o grande desafio da universidade: a função e o dever de estar comprometida com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária ao construir conhecimento e formar para o trabalho.

Esta edição do LIPH Science Journal apresenta artigos acadêmicos, resultado de diferentes pesquisas que ratificam o papel da universidade. Os estudos aqui apresentados atestam, portanto, que podemos intervir e, consequentemente, transformar com a pesquisa, a sociedade em que vivemos. Esperamos que os trabalhos desta edição sejam reflexão e início para novas inquietações, a fim de colocá-los em debate. Este é o caminho que necessita ser percorrido, ainda que instável, movediço, mas, certamente, não menos importante.

Cumprimentos,

Leila Maria Franco

 

Referências

FISCHER, A.; PELANDRÉ, N. L.    Letramento acadêmico e a construção de sentidos nas leituras de um gênero.  Perspectiva, Florianópolis, v. 28, n. 2, 569-599, jul./dez. 2010.  DOI: 10.5007/2175-795X.2010v28n2p569

MORTIMER, E. F. Sobre chamas e cristais: a linguagem cotidiana, a linguagem científica e o ensino de ciências. In: CHASSOT, Áttico; OLIVEIRA, Renato José de (Orgs.). Ciência, ética e cultura na educação. São Leopoldo: UNISINOS, 1998. p. 99-118.

MOTTA-ROTH, D.; HENDGES, G. R.. Produção textual na universidade. São Paulo: Parábola Editorial, 2010. 168 p.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.  345 p.